Olhar do ARTISTA percepção e arte

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

ELA É LINDA


Uma noite em claro, relembrando o dia em que cheguei do Rio de Janeiro, aos nove anos de idade, até o dia do aniversário de tia Cleusa no ano de 2019. Recordei a primeira vez que ela é tio Reinaldo me apresentaram o mar. Era um dia ensolarado no meio da semana em uma praia deserta. Minha tia usava um maiô preto, Reynaldo uma bermuda xadrez. Caminhávamos entre pedras e areia  à procura  de um melhor local para o banho.

Vislumbrada com a imensidão azul, eu sonhava para além da beira mar . Me via em uma mistura de fascínio, medo e a tentação de mergulhar na água profunda. Ainda criança causava reação de estranheza em boa parte das pessoas por Fazer perguntas e indagações com olhares, com esse meu jeito curioso de ser. Entretanto , percebia que tia Cleusa e tio Reinaldo  não se incomodavam com meu silêncio interrogativo. Os dois me acolheram  e me apresentaram a cidade de Salvador. Foi com tia Cleusa que conheci a Baixa dos Sapateiros, as lojas de tecidos e sapatos, os passeios estreitos e as ruas calçadas em pedras. Certa vez perguntei: é Baixa dos Sapateiros por vender sapatos? Ela sorriu! Em seguida foi me dizendo os nomes das ruas transversais, desde o Aquidabã  até a Barroquinha. Eram nomes, nomenclaturas e  signos que eu  desconhecia da nossa Salvador.

Certo dia seguimos para a avenida Joana Angélica, subindo a rua Chile. Passando pela Praça da Piedade tia Cleusa me conduziu pela mão até  uma bela igreja  que até hoje ali se encontra. Ela se ajoelhou e fez uma oração. Eu observava os arredores, as pinturas no teto, as vestes dos santos e as magníficas expressão de cada um deles. Os anjos sobrevivam sobre nossas cabeças, eu? Sonhava! Ainda tínhamos muito o que percorrer. Outras ruas transversais e igrejas; cada uma  mais deslumbrante que as outras. Uma maioria brilhava como ouro. Seria o ouro real?

Passamos por lojas e lojas no corredor da Avenida Sete , mas o que eu admirava eram os camelôs e o momento em que parávamos em uma lanchonete lá no Relógio de São Pedro. Comíamos esfirras com suco de laranja. Tia Cleusa havia saído de um plantão no hospital Manoel Vitorino  e precisava se alimentar. Cuidava com amor e dedicação dos pacientes, mulher sensível, dedicada, generosa e acolhedora.

Seguimos nosso caminho e ao subirmos a Rua Chile, ela apertou a minha mão acelerando os passos. Tinha receio que eu sentisse medo da “mulher de roxo”. Não, eu não sentia medo, sentia o mistério daquela estranha mulher e curiosa, lançava mil perguntas e tive uma resposta: Segundo o povo, aquela mulher havia sido abandonada no altar no dia do casamento. Nesse dia tia Cleusa me levou à Loja Sloper, me falou sobre padre Sadock e com semblante triste, sobre a demolição da Igreja da Rua Chile, onde houve a celebração do seu casamento.

Em época a Rua Chile era o auge do comércio em Salvador. A concorrência era grande e havia muitos consumidores. As lojas lotavam, pessoas circulavam entre vendedores e mercadorias. Naquele dia um casal de idosos olhavam de maneira insistente para tia Cleusa, até que se aproximaram sorridentes e disseram: desculpa por estarmos lhe olhando é que fazia um bom tempo que não víamos uma mulher tão linda quanto a senhorita. Tia Cleusa sorriu, percebi sua pele alva ressaltar  seus lábios rodeado e fazer brilhar os olhos negros que combinavam com o tom dos cabelos seu cabelo curto. O sorriso tímido iluminou sua linda face.