A
casa era na Rua Nilo Peçanha, em Nilópolis, cidade do Rio de janeiro, não era
muito grande, mas tinha uma vasta área ao redor. Espaço suficiente para abrigar
aquela forte mulher, chamada Maria. O ano era de 1967. Naquele mês de Novembro
a beleza das flores cercava a casa, fazendo a felicidade das cinco crianças que
lá moravam. Mas, a maior felicidade estava no entre olhar de Maria que, em meio
às malas, arrumava alguns pertences, com a ajuda do filho mais velho. Aventura
que se repetia todos os finais de ano.
Maria
sentia-se só naquela estranha cidade. O marido era caixeiro viajante,
casaram-se em Salvador e se aventuraram para o sul em uma longa viagem de
navio. Ali, constituíram família e sempre que possível seguiam para a Bahia –
Festas Natalinas. Na semana que antecipava o mês de dezembro, um ritual pairava
naquela casa. A expectativa das crianças colaborava para a ansiedade da mãe. O
filho mais velho, com a constante ausência do pai, tornara-se o melhor amigo,
partilhando todos os momentos difíceis – o braço direito da família.
As
malas eram arrumadas com antecedência, os preparativos para a viagem,
consistiam em cuidados com a saúde, que, em alguns momentos, fragilizava-se
diante da precariedade, porém nesse dia tudo foi diferente o mistério invadiu
aquela casa. A viagem seria longa, mas nada desencorajava Maria que, entre um
momento e outro, respirava fundo, demostrando, em seus negros olhos amendoados,
sinais de cansaço. A coragem enaltecia ainda mais a beleza exótica daquela
grande mulher, que, por vezes iluminava os ares com seu largo sorriso.
Em
dezembro, vésperas do dia doze, aniversário da filha do meio, no decorrer da
madrugada estavam todos arrumados com roupas de festa – fariam a viagem. As
duas meninas vestiam o mesmo modelo de roupa, a diferença estava apenas nas
cores. A aniversariante usava uma boina em tom verde musgo, que lhe caia muito
bem sobre a testa, combinando com a blusa branca de caça bordada, a mini saia
tinha a mesma cor e do aveludado da boina. Os dois meninos trajavam bermudas
escuras com suspensório. O caçula ainda bebê, seguia nos braços da mãe.
Era
de costume o pai de Maria vir da Bahia antecipadamente, para seguir viagem com
a família – o que não ocorreu. Com a ajuda de um amigo, seguiram com seus
poucos pertences e, com o dia ainda meio noite viajaram em uma Kombi branca até
o terminal Rodoviário do Rio de janeiro. Ao se alojarem em poltronas
confortáveis dentro do ônibus, a presença do pai das crianças, foi uma
surpresa. Lá, estava ele com um semblante pesado e triste para despedir-se da
mulher e dos filhos, prometendo busca-los após as férias – O ônibus partiu, a
rodoviária foi se distanciando junto a ela, a figura do pai em memória.
Maria
se acomodou em uma das poltronas, com os dois filhos menores. As meninas em
outra, com o irmão mais velho. Cada vez mais a estrada alongava-se, a
expectativa, a ansiedade e mistérios dos dias anteriores, fez com que os filhos
daquela mulher repousassem em um profundo sono. Ela, não dormia em vigília
constante, cuidava dos filhos – no rosto o cansaço.
Um
dia se passou, uma noite se foi, ali dentro daquele ônibus. Ao amanhecer as
crianças, não mais trajavam a roupa de festa, no decorrer da noite a mãe as
trocou, enquanto dormiam - seria mais um dia inteiro de viagem. Para Maria, era
valido qualquer sacrifício pela segurança dos seus filhos, tendo em vista que,
logo estariam sob a proteção dos seus entes querido. A determinação e coragem
daquela mulher superava qualquer problema que pudesse estar por vir. Mas, um
fio de preocupação pairava naquele belo semblante.
As
crianças deslumbravam-se com a paisagem que ligeiramente desapareciam entre os
vidros da janela do ônibus. Ela sabia que se aproximava o momento da chegada –
hora de trocar as vestes que seria as mesmas da partida. Apesar do cansaço, o
entusiasmo era imenso. Lentamente, a Rodoviária de Salvador aproximava-se,
junto a ela, um distinto senhor nos aguardava. Vestido em terno de linho branco
e chapéu panamá em tom perola o senhor acenava com um lenço também branco. Ali,
estava o pai de Maria, avô das crianças – As vestes que a aniversariante
trajava era presente dele. A boina na cabeça era uma forma de simbolizar o
partido politico a qual ele militava – Uns diziam que ele era comunista, outros
que era anarquista, porém o distinto homem que andava sempre alinhado, era
apenas, um trabalhador bem informado que trazia sempre um lenço em mãos, um
chapéu panamá na cabeça, e um jornal politico embaixo do braço.
Logo,
seguiram por mais uma vez em uma Kombi também branca – Seus familiares os
esperavam. Lá, foram recebidos com satisfação. A mãe de Maria, não se continha
de satisfação. Ver todos os netos reunidos era uma felicidade completa. Papai
Noel foi generoso com todos, os sobrinhos de Maria exibiam seus presentes. Mas
para Maria e seus filhos nada poderia ser maior, ou melhor, que estar ali, no
seio dos entes queridos.
As ferias
que pareciam ser breve prolongavam-se cada vez mais. Deu-se início às aulas, as
crianças foram matriculadas em escolas diferentes. O primogênito e a irmã mais
velha passaram a morar com uma das tias e dois primos. Maria, a filha do meio e
seus dois irmãos menores, se abrigaram na casa da irmã mais nova daquela
mulher. A aniversariante do mês de dezembro, todo Natal antes de dormir, coloca
o sapatinho na janela e sonha, e sonha, com uma caixinha cheia de maravilhosas
lembranças daquele lugar que ficou para trás, após a viagem.
Salvador,
01 de dezembro de 2011.